Quem Escreve

Íris Rocha, prazer. Ou, se preferirem, Siri Ahcor.


Porque se há coisa em que não sou esquisita, é em expor o meu ponto de vista seja de que maneira for. De traz para a frente ou de frente para traz, o que me interessa é expressar-me de modo a que qualquer um entenda exactamente o que quero dizer. Se bem que, se não entenderem, isso não me afecta. A falta de capacidades dos outros nunca foi algo que me tirasse o sono, ou qualquer outra coisa.
Gosto de escrever. Adoro escrever. Para mim, escrever é tão natural como respirar. E a prova disso é que escrevo muito mais do que o que falo. Há coisas que de alguma forma (que ainda não sei explicar) me intimidam quando quero dizer algo. Mas não há nada que consiga travar a minha escrita. Porque a escrever, sou eu.
Sou capaz de usar cem comparações, mil analogias e um milhão de metáforas para descrever uma única coisa. E dou graças a Deus por ser portuguesa. Pois nunca conheci uma língua que contenha tantas palavras capazes de significarem uma única coisa. Gosto de palavras, gosto de escreve-las, E não me importo de escrever mil vezes a mesma coisa usando uma palavra diferente, alias até tenho tendência a escrever uns “àpartes” bem grandes, só para sentir a liberdade que alcanço sempre que estou a escrever.

“Devias escrever um livro, rapariga.”
E escrevi. Alias, escrevo. Mais do que um, até. Mas nunca os vou acabar. Por alguma razão sou alérgica a finais. Até hoje, poucos foram os finais de grandes Sagas ou Obras que tenha lido, e que me tenham satisfeito.
 Porquê? Os autores não sabiam escrever? A edição estava mal feita? A história não prestava? Oh meu Deus, não me digas que mataram o protagonista?
Não, nada disso. É claro que com o meu lado perfeccionista consigo sempre encontra um erro aqui ou ali. Mas não. O grande defeito da minha mania perfeccionista é o facto de, simplesmente, ser alérgica a finais. E posso dizer que tenho uma alergia de morte ao típico “felizes para sempre.”
Porquê? Qual é o problema?
Não gozem com a minha cara. Perco horas a ler um livro de trezentas e tal páginas, ou uma semana inteira a ler uma Saga de seis ou sete livros, para no final me espetarem com um “felizes para sempre”? Tipo, só me querem para estar ali a sofrer a ansiedade e as dores, para morrer de curiosidade com os mistérios, para queimar os neurónios a tentar decifrar os enigmas, mas quando começa o bem bom enfiam-me com três palavras e eu que me lixe para aqui.
Recuso-me. Re.cu.so-me. Se perco horas, dias, semanas da minha vida a dedicar-me de corpo e alma a um livro, o mínimo que espero é ser presenteada com os orgasmos múltiplos do tal “felizes para sempre.” Mas não. Não sei se os autores que leio não têm uma vida sexual satisfatória, ou simplesmente são egoístas e querem tudo para eles. O que é certo é que raramente me calhou um epilogo que me dê um vislumbre do que é, exactamente, o tal “felizes para sempre”.
Por isso mesmo, e provavelmente, nunca vou acabar nenhum dos projectos que comecei. E se acabar talvez seja só com a morte dos protagonistas. Isto se eu não arranjar maneira de seguir a existência deles lá no outro mundo.
Em tudo o que escrevo, faço o equivalente a uma tempestade num copo de água. De uma palavra, perco o controle, e simplesmente nem me dou ao trabalho de saber onde fica o travão. Pois eu gosto é quando perco as estribeiras, e atinjo o apogeu de um tsunami de letras. Elas entram em todo lado e levam tudo a frente, formando opiniões sobre a raposa que comeu a galinha que alimentaria a família que morria a fome. Porque a sociedade está perdida, a exclusão social cada vez maior, o apoio humanitário não chega onde devia, e nem das áreas protegidas o governo quer saber. Logo se a desflorestação aumenta, para algum lado os animais vão, alguma coisa têm que comer. E não vão adivinhar se o governo se preocupou ou não com o facto de uma família ter apenas uma galinha para comer.
Pronto, acho que isso explica o que quero dizer.


Para além da escrita, amo música. Não tenho cantor favorito, banda favorita ou algo do género. Tenho músicas favoritas. E para mim, o favoritismo por uma música nasce com aquilo que ela me faz sentir, o que entendo da sua letra, e as memorias que ela me traz. O que faz de mim uma traça musical. Pois oiço de tudo. Pelo menos até encontrar a tal musica que num específico momento não me deixe ouvir mais nada.

Cinema, teatro, televisão. Um escape quase tão bom como um livro. E um ‘vá para fora cá dentro’ perfeito, principalmente com filmes e séries de época. Alias, series de época com a assinatura da BBC são das melhores “viagens” que já fiz.

E porquê as artes? Porquê estas artes especificamente?
Porque o mundo assusta-me. Porque as pessoas reais são más. Porque a vida lá fora dá-me medo.
Pelo menos nos livros, ainda posso ter esperanças de que os maus sejam punidos, os bons recompensados e a verdade venha ao de cima. Porque a melodia embala-me numa calma impossível de alcançar no constante burburinho industrial. Porque os filmes, permitem-me viajar, ver países, cidades, culturas, sem o medo da violência, criminalidade ou até do terrorismo. E com a certeza de que no final, eu sempre voltarei para casa.

Não, não vivo em contos de fadas. Não me recuso a ver a verdade. Não me recuso a “acordar para a vida”. Não me escondo atrás das minhas palavras. Alias, é nelas que me revelo, é nelas que me liberto. Não vejo mil vezes o mesmo romance, para não ter de sair a rua e admitir que amo X ou Y. Não enfio os phones nos ouvidos e deito-me na cama tapada até as orelhas para não ouvir a vida lá fora. Simplesmente gosto de ser feliz. E as artes dão-me 50% do que preciso para o ser.

E os outros 50%?
Bem, esses são a minha família. Os meus amigos. Os que me deram vida e me viram crescer. Os que cresceram comigo e os que eu vi nascer. Os que lutam por mim. Os que lutam comigo. E os que merecem que eu lute por eles. Os que um dia foram tudo, esforçaram-se e desistiram. Os que são tudo, esforçam-se e conseguem. Os que não se limitam a remar num barco ao lado do meu, mas os que remam comigo no mesmo barco. Os que vieram e ficaram. Os que vieram e foram.  E os que estão por vir.

E o resto de mim descobre-se, ao virar de cada página.